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Reflexões Metodológicas

  • Foto do escritor: Túlio Flôres
    Túlio Flôres
  • 13 de dez. de 2014
  • 8 min de leitura

Com grande prazer trago a vocês um texto do professor Bruno Pivetti, falando sobre as reflexões metodológicas ao longo de sua formação e carreira. Atualmente Bruno é auxiliar técnico de futebol do Guaratinguetá Futebol Clube, formado pela Escola de Educação Física e Esporte da USP, especialista em fisiologia do exercício pelo CEFE-UNIFESP, MBA em Gestão e Marketing Esportivo pela TREVISAN – Escola de Negócios, e autor do livre Periodização Tática - O futebol arte alicerçado em critérios.


Sempre leio os textos do professor Bruno, pois além de serem ricos em informação são totalmente respeitosos a outros tipos de metodologias. Deixa claro suas idéias e convicções, sem desrespeitar as idéias alheias.



Reflexões Metodológicas

Por Bruno Pivetti


Tenho a convicção que não fui eu quem escolhi o futebol, mas sim que o futebol quem me escolheu. Todos sabem que o futebol é a modalidade esportiva mais amada no Brasil. Na minha família especificamente, o futebol exerce uma significativa influência, regendo as relações e assuntos do dia-a-dia. Absolutamente todos os membros de minha numerosa família são aficionados pelo futebol e foi neste cenário em que fui criado. Assim, apesar de não ter sido um jogador profissional, sempre tive o sonho de trabalhar nesta modalidade esportiva, uma vez que fui ensinado a amar e ter como base em minhas relações familiares, o futebol, desde a minha infância. Costumava pensar quando criança que meu sonho era ser treinador de futebol, mas seria igualmente feliz se estivesse inserido no futebol profissional mesmo como gandula.


Neste contexto, tive a felicidade de realizar um intercambio no quarto ano de faculdade na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. Este intercambio ocorre entre à Universidade do Porto e a EEFE-USP. À época, 3 alunos portugueses visitavam o Brasil e 3 alunos brasileiros visitavam Portugal. Em 2005, um aluno português que fazia intercambio no Brasil, Miguel Moita (hoje adjunto do treinador Leonardo Jardim no Monaco da França), me posicionou sobre os preceitos da Periodização Tática.


Nesta época, estava tentando ingressar no futebol por meio dos meus conhecimentos acerca da Periodização Convencional, dita mais física, justamente por desconhecer o método português. Foi por meio destas informações que me candidatei ao intercambio, justamente por ter a oportunidade de conhecer esta presente metodologia. Sempre tive a ideia de que se alguém se propõe a trabalhar com um fenômeno tão complexo como o futebol, este deverá buscar conhecer todo o conhecimento que permeia esta presente modalidade esportiva.


Como sempre mantive minhas notas elevadas, fui selecionado a participar deste já citado programa de intercambio. Assim que cheguei à Portugal em janeiro de 2006 já logo procurei o professor Frade para me apresentar e expor todo o meu interesse em adquirir os conhecimentos referentes à Periodização Tática. A partir daí, com as aulas e o estágio no FC Porto a introdução à teoria e a prática da Periodização Tática foi natural. Acabei um adepto da presente metodologia pela sua coerência e funcionalidade com o que se é exigido para se operacionalizar eficientemente um determinado modelo de jogo.


Julgo que se não tivesse sido apresentado à Periodização Tática nesta época e não tivesse ido a fundo em seus conceitos e aplicabilidade hoje seria um profissional mais limitado e talvez teria encontrado muito mais dificuldades para entrar e permanecer no futebol de alto

nível. Esta metodologia serviu de base para todo o meu trabalho no futebol, e por isso, até mesmo por gratidão, resolvi compartilhar os conhecimentos por mim adquiridos em anos de estudo e prática por meio da publicação de meu livro: "Periodização Tática: o futebol arte alicerçado em critérios", Editora Phorte, 2012. Sem dúvidas, é o livro que gostaria de ter lido enquanto estudante, quando ainda sonhava em entrar para o mercado futebolístico do mais elevado rendimento.


Até mesmo pela publicação deste referido livro ter tido excelente aceitação não só pelos profissionais de futebol brasileiros, mas também de outros países, como Portugal, Italia, Colombia, Argentina e México, por exemplo, tenho constantes indagações acerca dos possíveis preconceitos que enfrento por defender tal metodologia em meu país.


Sinceramente, não acho que estes preconceitos e pré julgamentos são inerentes a todos os profissionais do futebol do meu país. Aliás, elenco os preconceituosos e os menos flexíveis como uma minoria no mercado brasileiro, mas que ainda ocupam os cargos mais elevados em termos de prestígio e poder decisório. Mesmo assim, é preciso se separar o joio do trigo.

Convivi e conheço muitos profissionais que estão abertos a novos conhecimentos e às mudanças em termos de metodologia que agreguem valor ao processo de treinamento.


Creio que o Brasil tenha evolído 50 anos nestes últimos 10, em termos de treinamento e organização do futebol. Justamente pelos profissionais e o mercado estarem receptivos a informações inovadoras e produtivas. Obviamente temos muito trabalho pela frente, mas a mudança predominantemente positiva é notável ultimamente.


O processo de aumento da acessibilidade de informações pelas tecnologias de informática nas redes sociais também contribuíram muito para este desenvolvimento. Hoje, um jogador tem acesso via "Blogs", "Youtube" ou "Facebook" a conteúdos de vídeo de treinos realizados em todo o mundo, feito pelos melhores treinadores e jogadores do planeta. Assim, a exigência de qualidade hoje em dia, não só no futebol mas em todas às áreas de atuação profissional, é muito alta. O espírito crítico está muito aflorado atualmente, principalmente àquele relacionado a seres tão inteligentes como os jogadores de futebol.


O acesso a informação e a liberdade de expressão nos cenários democráticos estão contribuindo para que as pessoas tenham um nível de cobrança e exigência muito elevados, e isto, ao meu ver, é um processo facilitador para uma maior produtividade. Sendo assim, grande parte dos profissionais brasileiros estão ávidos por conhecimentos e atualizações, desde os mais experientes até àqueles que estão começando, já que o nível de cobrança por qualidade também aumentou em todas as esferas do futebol.


Foi por este motivo que meu já citado livro teve tão boa aceitação e crítica pelos profissionais do futebol brasileiro. Recebo constantemente indagações e propostas de trocas

de informações acerca não só da Periodização Tática, mas sim, de todos os fatores que permeiam o futebol profissional e o de formação. O maior reconhecimento que tive, e, também a maior prova que o futebol brasileiro está realmente evoluindo, foi que a atenção que meu livro gerou não foi apenas a partir de estudantes universitários ou acadêmicos, mas sim, de treinadores com alguma experiência prática e também por aqueles que já são renomados na área. Isto para mim, é a maior prova que os profissionais brasileiros estão SIM em busca de conhecimento e evolução, este é o meu maior "termômetro" para a argumentação desta minha opinião. Se o cenário fosse somente de preconceitos e pré-julgamento pela maioria dos profissionais do futebol, meu livro não teria aceitação alguma, quando o que se viu foi justamente o contrário.


Além disso, outra demonstração desta minha fundamentação talvez seja um dos maiores exemplos positivos que vivenciei no futebol. É o caso do treinador Antonio Carlos Zago. O mesmo foi uma das minhas maiores referências no esporte, tanto como jogador, como também (ainda mais) como treinador. Principalmente, depois que trabalhei lado a lado com o mesmo no AUDAX SP em 2012. No dia-a-dia, um determinado princípio tático que eu me esforçava para decodificar na análise de vídeo, depois de voltar e adiantar a imagem várias vezes, o mesmo já codificava quase que em tempo real. É a diferença do olho treinado de quem vivenciou o futebol em todos os seus níveis por mais de 20 anos, chegando a ser um jogador TOP em nível mundial.

Arquivo Pessoal Facebook

A transição de carreira de Zago se deu pelo fato do mesmo ter encerrado sua carreira como jogador em 2007 e já ter engatado um trabalho como Diretor Técnico do Corinthians em 2008. Após esta primeira experiência no futebol como não jogador, Antonio Carlos optou pela carreira de treinador e teve uma ascensão meteórica, passando por grandes clubes do Brasil, dentre eles o Palmeiras em 2010. No período em que trabalhamos juntos percebi um Zago irriquieto, buscando sempre informações de vanguarda no futebol, constantemente preocupado em criar exercícios e treinos a fim de modelar o seu Jogo. Até que ao final da temporada 2012, o mesmo interrompeu suas ações como treinador principal a fim de se tornar um Auxiliar Técnico de Zdenec Zeman na AS ROMA.


O principal fator motivador para que interrompesse momentaneamente sua carreira como treinador principal foi o fato da AS ROMA ter proporcionado uma oportunidade de estudo à Antonio Carlos Zago. Isto se deu pelo oferecimento do curso italiano de Coverciano-Firenze, o qual certifica o profissional como um treinador com a chancela da UEFA. Por meio deste período de estudo, Antonio relatou que modificou totalmente sua maneira de encarar o futebol, se sentindo muito mais bem preparado para encarar uma carreira que exige grandes responsabilidades práticas e teóricas. Atualmente, paralelamente a função de Auxiliar Técnico do Shakhtar Donetsk, atuando ao lado de Mircea Lucesco, Zago continua seus estudos a fim de adquirir uma bagagem ainda maior que lhe permita ser um treinador TOP em nível mundial.


Tal fato é para mim a maior prova de humildade e interesse em aperfeiçoamento vinda de um profissional que tinha tudo para sentir-se mais "acomodado", por ter desenvolvido uma carreira fenomenal enquanto jogador e por já ter chegado a ser um treinador de nome forte. Ao invés de ser sucumbido por preconceitos e pré-julgamentos, Antonio Carlos Zago foi atrás de mais conhecimento acerca do futebol, sinal que grande parte dos profissionais brasileiros estão sim acompanhando as tendências mundiais de treinamento.


Agora, como em todos os cantos do mundo, existem sim os profissionais mais arcaicos por uma mentalidade atrasada. E isto, independe de faixa etária ou nível de experiência profissional. Existem profissionais iniciantes e experientes com uma mentalidade mais compatível aos nossos tempos, como também existem àqueles mais reticentes às mudanças evolutivas inevitáveis. O problema no Brasil, como já citado anteriormente, é que justamente os cargos mais estratégicos estejam sendo ocupados por tais profissionais de mentalidade mais obsoleta.

A raiz do desvirtuamento de pensamento dos mais arcaicos e preconceituosos, creio ser sempre a justificativa que se o Brasil teve o sucesso que teve no futebol mundial, principalmente pelos 5 títulos mundiais e pelos jogadores fora de série que produz uma temporada após a outra, pode-se afirmar que os métodos de treino praticados aqui são mais eficientes que os demais realizados mundo afora. Existe até uma certa impáfia deste tipo de profissional inserido no mercado brasileiro, justamente por se esconderem atrás destas conquistas passadas.


Na minha opinião, tal tendência de pensamento pode ser facilmente contestada pelo fato que as principais virtudes do futebol brasileiro não se devem principalmente às capacidades administrativas do esporte ou pela qualidade dos profissionais, mas sim, ao futebol de rua que ainda se perdura até os dias atuais com uma enorme riqueza de diversidade de prática pelo contexto socio-cultural-econômico do país.


Assim, ainda produzimos grandes jogadores todos os anos, porém a eficiência de aproveitamento destes talentos no país é relativamente baixa. O que observo na prática é uma ausência de humildade que prejudica a aquisição de novos conhecimentos e uma boa aceitação/adaptação às mudanças evolutivas. Isto gera um comodismo inoperante que obstrui qualquer chance de aprimoramento.


Sendo assim, alguns profissionais se escondem atrás dos títulos e dos talentos individuais dos jogadores e não permitem que a eficiência no processo de formação de equipes vitoriosas e de novos talentos se concretize por meio de metodologias mais

adequadas ao futebol. Proponho sempre uma revolução na prática esportiva do futebol no meu país, pois julgo que se conseguirmos atrelar os talentos que brotam do futebol de rua, com uma metodologia de treino mais adequada/produtiva e uma organização administrativa mais séria e planejada, o Brasil indubitavelmente ficará imbatível em nível mundial.


Creio que com o potencial de talentos que temos, se houvesse um pouco mais humildade de todos os profissionais em aprenderem e se atualizarem, não teríamos ganhado 5, mas sim, 10 títulos mundiais, e formaríamos muito mais talentos em todas as posições. Isto nos traria um ciclo virtuoso que fortaleceria, desde a sua base, os nossos clubes e campeonatos. Talvez assim, teríamos uma chance maior de manter os grandes craques jogando em nosso país, fazendo com que a conjuntura geral do futebol se fortalecesse econômica e competitivamente.


Certamente, com um cenário global mais bem planejado e dotado de mais equilíbrio, não amargaremos mais a vergonha que todos os brasileiros vivenciaram na derrota esmagadora da Alemanha no Mundial de 2014. Para isto, urge-se uma modificação do pensamento, principalmente no que concerne ao processo de transformação da ótica individualista (que colabora com a malícia negativa, a corrupção e outros fatores que denigrem a máquina futebolística) para àquela que sugere um prisma mais holístico e sustentável. Fatores estes, que não por acaso, estão no cerne da Metodologia Periodização Tática.


Não adianta o processo de treinamento ter uma visão mais sistêmica e adequada, se a máquina como um todo só funciona para o bem de um indivíduo ou um grupo pequeno de indivíduos que querem garantir poder e dinheiro em detrimento do resto que compõe o mesmo sistema. Necessitamos de uma reformulação geral. Espero que tenhamos a humildade necessária para tal.


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